O Problema da desmemoria afeta a todos. Sem distinção de raças, credos, cores, opção ou inclinação sexual, tampouco de educação ou posição social. É talvez a maneira que o indivíduo encontra para serenar suas mazelas sociais. É também, talvez, a maneira que o sujeito encontra de abrandar as suas “dificuldades” raciais, sexuais e morais. Um renomado autor, Eric Hobsbawn, em “A Era dos Extremos” (2005) fala de um ponto de vista muito interessante, de uma ótica histórica, morfológica. {leia} Mas meu olhar volta-se para o cotidiano, para o que nos assombra no dia-a-dia. Porque o cotidiano é assustador, tétrico, queimante, mordaz, cáustico.
Caminhamos desde o início de nossas vidas rumo ao desfiladeiro, à morte. Imaculamos valores inconcretos, desordens, riscos, desrespeito; em nome do quê? Pra quê? Pra quem? Minhas discussões, não se preocupem, não será sobre a razão da vida; ou a moral. Não! É sobre por que nós nos esquecemos de tudo, absolutamente tudo, por que chegou o fim do ano. Por acaso, ali, em meados de novembro, ocorre um rasgo no córtex frontal, que faz com que nossos cérebros apaguem todas as velhas fedidas que logo cedo entram nos ônibus, cheias de sacolas, ainda mais fedidas? Será que essa mesma lesão faz com que nos esqueçamos {ainda nesse mesmo ônibus} dos pisões, ou dos motoristas lentos? Que apagará, por exemplo, que enquanto dirigimos, a nossa frente está uma linda e irritante jovem dirigindo seu uninho a -0 por hora? Ou aquele motoboy FDP? Apagará também, você naquela fila de domingo, no supermercado, com uma garrafa de coca-cola na mão, e aquele velhote adiante, com a camiseta do palmeiras que nunca viu água na vida, comprando comida pra seis meses? E quando você está voltando pra casa e aquele sujeito resolve dentro do ônibus lotado, escutar em seu maldito mp3, aquele funk imundo, que faz corar a mais experiente das lascivas.
Tudo isso se esvairá pelos insólitos arquivos cerebrais? Sim! Pois este rasgão cerebral irá apagar tudo isso. Será por que nosso inconsciente, ao prever o fim do ano e o recomeço de um novo ciclo, resolva “formatar” o HD cerebral? Mas será que será assim em todos os sentidos. Será que momentos antes de minha morte vou perdoar o Maluf? Vou esquecer cada milhão que ele roubou? Ou então acreditar que aquela longínqua seleção de 2006 não foi, apenas, suficientemente capaz de derrotar o Henri? Vou passar a achar o Parreira o melhor técnico que o Brasil já teve? Será que toda vez que o fim estiver próximo, meu córtex frontal, lateral, meridional, seja lá o que for se apagará? Esperem, esperem... Acho que isso tem fundamento: será que na segunda-feira seguinte às eleições, os eleitores do Kassab se lembravam da cagada que fizeram? E será que nos lembramos do conjunto de fezes que estamos reunindo há 500 anos?
(Não) Concluo enfim que, vivemos, como cita Hobsbawn, numa era dos extremos. A cada instante nosso cérebro apaga as informações “mais” relevantes. É uma espécie de esvaziamento automático da caixa de entrada; aquilo que pesa mais, o nosso Outlook cerebral ignora. Aponto à uma necessidade cognitiva que nós seres humanos temos de nos “adaptar” a um novo conjunto de informações e valores, que se precipitam a cada instante.
É como se um fim de ano ocorresse a cada segundo. Que tivéssemos um natal gordo {vide Lula} a cada mês. Que os motoboys não fossem tão malvados, pelo menos no fim do ano. Que as velhas... “Tadinha” das velhas! Todos nós seremos velhos um dia. Coitado do jovem, ele quer apenas se destrair com a musica; e o tiozinho palmeirense... As camisas de clube têm mesmo esse cheiro de sebo. Ah, vai me dizer que você nunca aprendeu a dirigir? Que nunca teve medo de passar da segunda marcha?
É inegável que somos todos imperfeitos. Mas é dramático, pra não dizer entristecedor, que caminhemos em direção a bestialidade pura, assim, sem nem mesmo nos lembrarmos do que comemos ontem.